Rosa do Sertão

09/07/2019

A menina que não vê o pai sair para trabalhar, por que o homem sai tão cedo para a labuta, que mal tem tempo de ver a própria filha. A menina acorda cedo também, toma banho e lava os cabelo jogando a água do balde, que foi tirada de um açude nas terras ao redor da casa, e depois a mãe cheia de zelo penteia os cabelos da filha e os divide de forma que em cada lado coloca-se um lacinho. No caminho de terra cercado por apenas estacas e arame farpado, seguem as duas, com uma bolsa rosa do personagem favorito que ela herdou de algum parente e os sapatos gastos pendurados no banco, enquanto no balanço da carroça o jumento puxa as duas de forma lenta e preguiçosa, sob o sol que já se encontra forte às seis e meia da manhã. A professora ensina o "beabá", e ela copia no caderno a lição de casa com o pensamento nos pulos que ela vai dar no açude, quando chegar em sua moradia humilde de pau a pique, e mal ela entra já a bolsa no sofá da sala, e vai correr pelo quintal, para logo depois ouvir a mãe gritar na porta da cozinha: "Menina, vem almoçar!" Ela volta e entra, passando pela pia do lado de fora da casa e as roupas estendidas no varais do quintal. Após um dia inteiro brincando, ela fez a lição e logo depois ouviu a voz da mãe dizendo "Vai dormir, Açucena. Já está tarde para criança estar acordada." A menina se deita e quando o pai chega, encontra a flor mais bonita do sertão dormindo serena em sua cama, abraçada com o ursinho que ele lhe deu quando bebê, e com um beijinho na cabeça o homem lhe deu boa noite, e consequentemente bom dia, já que novamente não veria a filha pela manhã.

No dia seguinte a rotina se repete, para a menina mais um dia de aula na escola, para o pai trabalhador, mais um dia de sol escaldante cortando cana e palma no meio da plantação, alimentando o gado e pensando nas contas que precisa pagar, pois o fim do mês se aproxima e ele precisa escolher entre quitar a conta de luz e comprar um par de sapatos para a filha, que já anda sentindo as pedrinhas do caminho incomodarem-lhe os pés. Após um dia de trabalho cansativo e pesado, ele pega o rumo de casa e acaba passando por uma loja de calçados, e vê um lindo par na vitrine, todo na cor rosa com uma boneca acompanhando como brinde, o mesmo que ele avistara no dia anterior, porém para a sua surpresa quando pôs os olhos na placa de preço, o mesmo havia aumentado consideravelmente e ele já não tinha condições de pagar, pois a inflação lhe tirou a oportunidade de calçar os pés de sua filha, ele volta para casa e novamente encontra a filha dormindo, dá um beijo em sua cabeça como no outro dia e ouve a mulher gritar da cozinha: "José vem jantar." 

E a mulher, que vê o marido sair cedo para trabalhar e deixa a filha na escola, faz os serviços da casa, deixando-a limpa e o almoço pronto na geladeira, e sai logo em seguida a pé, batendo de porta em porta, oferecendo produtos de variados tipos, amontoados num carro de mão, equilibrando-os como pode para que não caiam num impacto inesperado com os buracos da estrada de terra. Sentindo o sol queimar sua pele ela pausa para descanso, senta-se debaixo de uma árvore e quando olha para o lado, avista a flor que cuida com tanto amor e carinho, a cheirosa e bonita flor de Açucena do sertão. 

Se avexe não, visse?

"Não troco meu 'oxente', pelo 'ok' de ninguém" Ariano Suassuna 

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